Apesar de relatar factos e recordações, recusei chamar
Epístola a este diálogo, por respeito àquilo como se definia enquanto cidadã: “Republicana, Socialista e Laica”.
Lembro-me, D. Manuela, de a ver conduzir com muito cuidado, porque a visão estava a diminuir, o seu automóvel
Fiat 124 de cor amarelada. Ficava, nessa altura, na Quinta de Santa Bárbara. Era o ano da minha vinda para Constância, em 1993. Tinha eu 40 anos e a senhora 82.
Seguidamente conheceu a
Casa João Chagas. Preferiu o primeiro quarto que lhe mostrei que eu tinha denominado “
Constância" – o 102. E passou a ficar lá, pelo menos por 100 vezes desde esse ano até talvez 2008.
Por causa do enfraquecimento progressivo da vista, passou a vir com sua irmã Maria Alexandre e seu marido Jorge Maria Bessonne Basto, no
Fiat Tipo que possuíam. E quando ele não estava disponível, apanhava o comboio desde Santa Apolónia até ao Entroncamento onde o
Fernando do Jardim-Horto e, depois da sua prematura partida a
São, a recebiam e transportavam para Constância.
À chegada não ia logo descansar; só ao fim da tarde, porque mais importante para si era o Jardim-Horto e a
Casa-Memória de Camões, que necessitava de desbloqueamento de verbas para terminar a recuperação. E ultrapassou obstáculos, moveu montanhas, mas conseguiu o desbloqueamento. E as obras recomeçaram. E terminaram no seu tempo.
Lembro-me do convite que lhe fiz para jantarmos todos uma refeição por mim confeccionada na Casa João Chagas (dotada apenas de uma escassa copa e 1 fogão caseiro): a senhora, a irmã e marido, um outro cliente – jornalista - , minha mulher e eu. Perguntou-me que sopa era aquela.
- Sopa Dama Branca, respondi .
Provou, e gostou, com aqueles croutons estaladiços. Não resistiu a repetir o
Lombo de Porco Estufado. Eu tive o cuidado de chamar a atenção de não ser cozinheiro, mas gostar experimentar. Perguntou-me por que razão eu oferecia o jantar. Respondi-lhe que a minha filosofia era a de Turismo de Habitação, em que o cliente é uma pessoa, tem sentimentos, e não um número; que o turismo é feito de relações humanas. Foi nesse jantar que me confidenciou a sua outra paixão: Aprofundar a vida de
São Frei Gil de Santarém, especialmente as lendas e histórias sobre a si. No dia seguinte o jornalista confidenciava-me:
-
Esta senhora é daquelas personagens difíceis de entrevistar, porque têm um raciocínio rápido e mudam muito depressa.
E aquele dia chegou; o dia em que as maiorias decidiram em assembleia, e o consequente desabafo que teve comigo, sentada numa das cadeiras da esplanada de
O Café da Praça com um semblante triste, deprimido:
-
Nunca mais volto a Constância!...
-
Porquê, D. Manuela? - Não me querem cá.
Mas voltou. Porque transformou a prateleira em trono,Voltou porque a foram buscar para a homenagear junto à casa que levantou. E onde uma lápide se descerrou, mas eu não a vi. E tenho pena. Que Deus a acompanhe, D. Manuela, porque o saldo da sua vida foi positivo.